sábado, 18 de julho de 2009

VERBOS NOVOS E HORRÍVEIS - Ricardo Freire*

Não, por favor, nem tente me disponibilizar alguma coisa, que eu não quero.

Não aceito nada que pessoas, empresas ou organizações me disponibilizem.

É uma questão de princípios.

Se você me oferecer, me der, me vender, me emprestar, talvez eu venha a topar.

Até mesmo se você tornar disponível, quem sabe, eu aceite.

Mas, se você insistir em disponibilizar, nada feito.

Caso você esteja contando comigo para operacionalizar algo, vou dizendo desde de já: pode ir tirando seu cavalinho da chuva. Eu não operacionalizo nada para ninguém.

Nem compactuo com quem operacionalize.

Se você quiser, eu monto, eu realizo, eu aplico, eu ponho em operação.

Se você pedir com jeitinho, eu até implemento.

Mas operacionalizar, jamais.

O quê? Você quer que eu agilize isso para você?

Lamento, mas eu não sei agilizar nada. Nunca agilizei. Está lá no meu currículo: faço tudo, menos agilizar.

Precisando, eu apresso, eu priorizo, eu ponho na frente, eu dou um gás.

Mas agilizar, desculpe, não posso, acho que matei essa aula.

Outro dia mesmo queriam reinicializar meu computador.

Só por cima do meu cadáver virtual.

Prefiro comprar um computador novo a reinicializar o antigo.

Até porque eu desconfio que o problema não seja assim tão grave.

Em vez de reinicializar, talvez seja o caso de simplesmente reiniciar, e pronto.

Por falar nisso, é bom que você saiba que eu parei de utilizar. Assim, sem mais nem menos.

Eu sei, é uma atitude um tanto radical da minha parte, mas eu não utilizo mais nada.

Tenho consciência de que a cada dia que passa mais e mais pessoas estão utilizando, mas eu parei. Não utilizo mais.

Agora só uso. E recomendo.

Se você soubesse como é mais elegante, também deixaria de utilizar e passaria a usar.

Sim, estou me associando à campanha nacional contra os verbos que acabam em "ilizar".

Se nada for feito, daqui a pouco eles serão mais numerosos do que os terminados simplesmente em "ar".

Todos os dias, os maus tradutores de livros de marketing e administração disponibilizam mais e mais termos infelizes, que imediatamente são operacionalizados pela mídia, reinicializando palavras que já existiam e eram perfeitamente claras e eufônicas.

A doença está tão disseminada que muitos verbos honestos, com currículo de ótimos serviços prestados, estão a ponto de cair em desgraça entre pessoas de ouvidos sensíveis.

Depois que você fica alérgico a disponibilizar, como vai admitir, digamos, "viabilizar"?

É triste demorar tanto tempo para a gente se dar conta de que "desincompatibilizar" sempre foi um palavrão.

Precisamos reparabilizar nessas palavras que o pessoal inventabiliza só para complicabilizar.

Caso contrário, daqui a pouco, nossos filhos vão pensabilizar que o certo é ficar se expressabilizando dessa maneira.

Já posso até ouvir as reclamações: "Você não vai me impedibilizar de falabilizar do jeito que eu bem quilibiliser".

Problema seu. Me inclua fora dessa.


*Ricardo Freire (Porto Alegre, 1963) é um publicitário brasileiro. Trabalhou, entre outras, na W/Brasil e na Talent (onde criou o bordão "Não é assim nenhuma Brastemp"). É autor de livros. Escreve a coluna Xongas para a revista Época.

quarta-feira, 15 de julho de 2009


Pior que se sentir desrezado

É saber ser uma decepção.

A causa do desprezo em si

Sempre está no próprio desprezado,

Que de vítima passa a culpado

Ao olhar para dentro de si mesmo

E admitir ter agido a esmo,

E ver que só dele depende a solução,

Já que para o outro não passa de uma decepção.


(M. Botelho)